A LEI DA REVELAÇÃO
A
correta interpretação da Bíblia deve começar com a verdade básica de que Deus
deu uma revelação de Si mesmo e Sua vontade. Sem isso, o homem estaria no mar
sem estrelas ou sem bússola, e todos os seus pensamentos do que é a vontade de
Deus não seriam nada senão a imaginação de seu próprio coração e mente
depravados. Pela natureza ninguém entende a verdade de Deus, pois ela está numa
esfera estranha ao pensamento do homem. Assim lemos em 1 Coríntios 2.14. O
pecado perverteu de tal forma o pensamento humano que o homem não pensa como
Deus pensa, Isaías 55.7-9. Daí, a verdade de Jeremias 10.23.
Os primeiros versículos da Bíblia, Gênesis
1.1-6, sugerem essa revelação que Deus fez de Si mesmo, pois embora os
versículos 3-5 estejam relacionados à luz literal, é certo porém que há um
simbolismo aí que é explicado mais tarde como tendo a ver com iluminação
espiritual, 2 Coríntios 4.3-6. Observe aqui o versículo 6 em particular:
“Porque Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz, [referindo-se a Gênesis
1.3-5] é quem resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento
da glória de Deus, na face de Jesus Cristo.” Aqui está a revelação de Deus de
Si mesmo, e essa revelação foi feita com a maior plenitude e conclusão com a
vinda do Filho de Deus numa natureza humana, conforme lemos em João 1.18: “Deus
nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, este o
fez conhecer”. Muitas vezes as Escrituras mostram que as coisas literais têm um
sentido simbólico e típico que não é evidente à primeira vista.
Essa primeira e importantíssima Lei de
Interpretação da Bíblia — A Lei da Revelação — é tal que se não formos sólidos
nela, não poderemos ser sólidos em nada mais, por mais sinceros ou zelosos ou
instruídos que possamos fora disso ser. É isso o que mostra Isaías 8.20. “À lei
e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há
nenhuma luz neles”. Isso é suficientemente claro, não é? Toda luz espiritual =
verdade — corresponderá à Lei e ao Testemunho de Deus.
Essa Lei é que Deus revelou tudo o que alguém
precisa saber sobre todas as coisas espirituais. Ele não falou extensivamente
nas esferas da ciência, matemática, genética e muitas outras esferas, mas onde
Ele falou nessas áreas Ele falou em verdade. Lemos em Deuteronômio 29.29 acerca
do dever humano com relação à revelação de Deus dos assuntos espirituais. “As
coisas encobertas são para o SENHOR, nosso Deus; porém as reveladas são para
nós e para nossos filhos, para sempre, para cumprirmos todas as palavras desta
lei”. Deus reservou muitas coisas secretas para Si, e o homem não tem nem a
capacidade de conhecê-las nem lhe compete sondá-las, mas ele está sob a
obrigação de saber e fazer o que foi revelado. E ele está pela natureza sob
maldição por negligenciar saber e fazer o que foi revelado, Gálatas 3.10.
Essa Lei da Revelação terá relação com quatro
verdades básicas, a primeira sendo A Revelação do próprio Deus, da qual já
falamos brevemente. Embora a própria criação testifique da existência de Deus,
e o Salmo 19.1-4 deixe toda a humanidade sem desculpa por não se submeter a
Ele, Romanos 1.18-20, contudo há muitas coisas sobre Deus que o homem não
poderia saber se não fosse pelo fato de que Ele as revelou nas Escrituras.
O primeiro versículo da Bíblia é um
testemunho da natureza triúna da Divindade, pois a palavra “Deus” traduz o
substantivo hebraico Elohim. A palavra raiz “Eloh” significa literalmente “o
Forte”, e isso é evidenciado em que esse Forte criou o mundo, e tudo o que está
nele, de modo que todos pertencem a Ele por direito de criação, 1 Coríntios
10.26. Essa verdade acusa todo ser humano que não está vivendo em submissão à
vontade de Deus. A terminação “-im” é a terminação plural das palavras
hebraicas. E aqui é necessária uma explicação. Em português temos substantivos
no singular, referindo-se a um, e no plural, referindo-se a dois ou mais. Mas a
língua hebraica é diferente, pois tem três números: singular — um; dual — dois;
e plural — três ou mais. Daí, a terminação plural desse substantivo se refere a
Deus — o Forte — como um Ser uniplural consistindo de três ou mais
Personalidades. O restante das Escrituras limita essa pluralidade só a três
Pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito. Mas ao contrário dos tão chamados
unitaristas (os trinitaristas são mais verdadeiramente unitaristas, pois cremos
na Unidade de Deus, que não é incoerente com o Trinitarianismo, que
sustentamos), as Escrituras começam com um testemunho da doutrina da Trindade,
que é explicada posteriormente na Bíblia.
Imediatamente no começo das Escrituras vemos
a soberania de Deus, Sua personalidade triúna, Seu direito de posse e Senhorio
de toda a criação, Sua benevolência, e muitas outras coisas. Mais tarde Elohim
é revelado como Jeová, que é Seu nome pessoal, e esse nome significa que Ele é
o Deus que guarda alianças e se preocupa com Seu povo.
Todas as atitudes subseqüentes de Deus para
com os homens manifestam Sua santidade imaculada, e conseqüentemente Sua
justiça incontestável que deve e punirá todas as violações de Sua santa vontade.
“Porque tu não és um Deus que tenha prazer na iniqüidade, nem contigo habitará
o mal. Os loucos não pararão à tua vista; odeias a todos os que praticam a
maldade. Destruirás aqueles que falam a mentira [quer dizer os que falem
contrário à Sua revelação]; o SENHOR aborrecerá o homem sanguinário e
fraudulento”. (Salmos 5.4-6)
A revelação que Deus faz de Si mesmo não só
revela que Ele é Criador e Senhor, e que portanto todos os homens devem
fidelidade e adoração a Ele, mas também revela Sua direção providencial de
todas as coisas para o bem da criatura quando ela se submete à vontade de Deus.
A falha do homem em fazer isso é o que constitui a depravação humana, e
conseqüentemente a condição perdida do homem, e assegura a todos os que assim
agem que um dia eles serão julgados e condenados. Nenhum texto revela melhor as
operações providenciais de Deus para o bem de sua criatura mais elevada do que
Romanos 8.28: “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem
daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por seu decreto”.
Mesmo que não houvesse outros fatores, só
esse bastaria para condenar o homem à perdição eterna, não houvesse uma
redenção feita para ele, pois sua descrença é apesar da — e contrária à —
contínua bondade de Deus para com ele. Uma das principais, se não a principal,
ênfase das Escrituras é que o Deus Triúno que guarda a aliança que Ele fez com
o Seu povo realizou uma redenção por eles. A primeira comunicação disso foi
dada enquanto o homem caído estava ainda no Jardim do Éden quando Deus predisse
que a Semente da mulher derrotaria a semente da serpente, Gênesis 3.15. Esse
foi o propósito declarado da encarnação do Filho de Deus. “E dará à luz um
filho, e chamarás o nome de JESUS [do hebraico Jehoshua significando Jeová é
Salvador], porque ele salvará o seu povo dos seus pecados”. (Mateus 1.21) “Bem
como o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e para dar a
sua vida em resgate de muitos”. (Mateus 20.28)
Todas as coisas revelam a personalidade
graciosa de Deus, e devem ser reconhecidas como a revelação que Deus faz de Si
mesmo, de outra maneira não podemos interpretar corretamente a Palavra de Deus.
Mas há ainda outra coisa que é parte da revelação que Deus deu, e que é,
segundo, a revelação da impiedade, ou depravação humana. Esse é o ensino claro
das Escrituras acerca do estado natural do homem desde o momento do nascimento.
O primeiro homem, que representava todos os que descenderiam dele, pecou, e
assim trouxe um estado natural de pecaminosidade sobre todos, Romanos 5.12.
Daí, a verdade de Romanos 3.23: “Porque todos pecaram e destituídos estão da
glória de Deus”. Isso é inegável, pois todos provam isso continuamente, como o
salmista foi movido a escrever no Salmo 10.4-11. O versículo 4 dessa passagem explica
a aversão universal do homem a Deus até que ele tenha graciosamente se
convertido: “Por causa do seu orgulho, o ímpio não investiga; todas as suas
cogitações são: Não há Deus”. Aqui está, incidentalmente, a definição de Deus
para a maldade. Não necessariamente a imoralidade, mas simplesmente uma aversão
inata que move o homem natural a ter tão pouco a ver com Deus quanto possível.
Portanto, ninguém pode com justiça interpretar as Escrituras enquanto nega a
depravação total do homem.
Embora o homem continuamente negue sua
impiedade, e tente justificá-la, sua vida porém é uma prova viva dessa
impiedade. Um leigo cristão certa vez disse que as pessoas que afirmarem não
crer na depravação total, com certeza a praticam abertamente. Mas quer o homem
a reconheça ou não, as Escrituras continuamente revelam a pecaminosidade do
homem. O homem natural ama o que Deus odeia, e odeia o que Deus ama, e não quer
nada a ver com Deus, e isso é devido em grande parte ao fato de que Deus revela
o que o homem não quer, em seu total egocentrismo, reconhecer — sua impiedade
inata. Tragicamente, muitos professores aprovam os pecados dos pecadores quando
tentam remover a doutrina da depravação total mediante suas interpretações da
Bíblia.
Uma das verdades mais fundamentais é que a
impiedade humana consiste na recusa do homem de conformar-se à Verdade de Deus.
1 João 3.4s declara que o “pecado é iniquidade”. A Lei de Deus — que abrange
muito mais do que os Dez Mandamentos, pois realmente inclui todas as Escrituras
— é o padrão de tudo o que é certo e errado. As declarações de Romanos 4.15s
deixam claro a abrangência dessa Lei: “Onde não há lei também não há
transgressão”. E Romanos 5.13s: “O pecado não é imputado não havendo lei”. Isso
está bem claro. O pecado é só imputado ou declarado contra uma pessoa se ela
violou a Lei Divina e se ela não a violou, não importa o que mais ela tenha
feito, nenhum pecado é declarado contra ela. O padrão para o que é certo e o
que é errado é a Palavra de Deus, um padrão objetivo (fora do homem), e não as
próprias idéias de uma pessoa do que é certo e errado, um padrão subjetivo
(dentro do homem), como tantos falsamente o interpretam hoje. O pecado é pecado
quer o pecador pense que é pecado ou não. E o que os pecadores pensam que é bom
não é bom a menos que esteja à altura das exigências de Deus conforme mostram
as Escrituras. Essa é uma verdade tremendamente libertadora, pois elimina toda
a falsa culpa, e uma verdade que honra maravilhosamente a Deus, pois revela a
necessidade de um total conhecimento, e obediência, das Escrituras como o único
fator determinante nesse assunto.
Muitos pregadores falsos violam Romanos 4.15
e 5.13 colocando falsa culpa, mediante pregações legalistas, sobre as pessoas
às quais eles ministram. Isto é, eles formulam leis eclesiásticas para
controlar os membros quanto o que podem crer e fazer quando essas leis não têm
base na Palavra de Deus. Esse tipo de pregação é bem popular entre pregadores e
até mesmo entre o povo comum, pois agrada à soberba da vida em nos fazer pensar
que temos guardado certas leis religiosas, e por isso merecemos a aprovação de
Deus. Mas é baseado em princípios errados de interpretação da Bíblia. E essa
pregação legalista geralmente ignora o ensino de que somos aceitos totalmente
pela graça, ou então o interpreta de modo incorreto. Mas isso é totalmente
contrário ao sistema da graça que ensina que se não somos aceitos totalmente
pela graça, não somos então de modo algum aceitos diante de Deus.
E, em seqüência, em terceiro lugar, a
revelação de Deus é pela graça sendo o único princípio sobre o qual o pecador
se achega a Deus sem ser condenado. É somente nessa base que o homem tem alguma
esperança, pois sem a graça de Deus o homem está sem esperança e destinado à perdição
eterna. As Escrituras revelam o seguinte sobre a graça: (1) Ela vem só de Deus,
1 Pedro 5.10. (2) Ela é totalmente aparte das obras humanas, Romanos 11.6. Não
se pode misturar um com o outro, e a confiança num dos dois automaticamente
elimina o outro. (3) Ela foi trazida ao homem através da encarnação do Senhor,
João 1.14. (4) Ela começou na eternidade, tendo sido depositada em Cristo Jesus
para todos os eleitos, 2 Timóteo 1.9-10; Efésios 1.3-6, e a sua aplicação é
suficiente para sempre. (5) Ela tanto salva quanto santifica, Tito 2.11-12, de
modo que a partir do momento em que Deus começa a aplicá-la, aquele que a
recebe jamais fica fora de seu poder que a tudo supera, Romanos 5.20-21. (6)
Ela realmente entra em toda área da vida humana, 2 Coríntios 9.8, com exceção
do juízo final. Não haverá graça ali, mas só pura justiça condenatória.
Precisamos observar, e louvar a graça que é evidente em toda parte em nossas
vidas. (7) As vitórias da graça triunfante terão um replay por toda a
eternidade à medida que o estilo de vida de cada santo for mostrado a todos os
outros para o louvor da gloriosa graça de Deus, Efésios 2.7; 1.3-6. Ninguém
pode ser um obreiro aprovado e manejar bem a interpretação da Palavra de Deus
sem manejar bem a graça de Deus.
Vemos Deus revelando a graça no fato de que
Ele fez da fé o único meio de agradar a Ele, Hebreus 11.6, mas a fé é sempre
uma manifestação da graça operacional, conforme nos diz Romanos 4.16. Onde há a
fé genuína, vemos uma evidência da graça, pois só cremos pela graça, Atos
18.27s. As Escrituras declaram que a fé não é uma capacidade natural de alguém,
mas em vez disso é obtida de Deus, Efésios 2.8-9, sendo uma das muitas coisas
que fazem parte da vida e piedade que Deus deu a Seu povo, 2 Pedro 1.1-4. Em
todo lugar em que o novo nascimento e a fé são mencionados juntos, os tempos
dos verbos gregos mostram que o novo nascimento, que é obra exclusiva de Deus,
vem antes da fé, e é realmente a causa dela, João 1.12-13; 1 Pedro 1.21-23; 1
João 5.1, e outros. E isso é lógico bem como bíblico, pois logicamente a vida
vem antes das atividades da vida. Um homem morto, quer morto física ou
espiritualmente, só consegue fazer uma coisa, que é se decompor mais.
Pelo fato de que a graça não existe na
natureza no homem, mas é um dom divino, Deus deve revelá-la ao homem antes que
ele a veja e entenda. Sendo a graça de Deus um favor que não é merecido e é
imerecido, é uma verdade que é diametralmente oposta ao orgulho e
auto-suficiência inatos do homem, e por esse motivo ele resistirá a essa
verdade até que a graça crucifique a carne. As Escrituras muitas vezes mostram
que a redenção graciosa de Deus não deixa espaço para glorificar a carne,
Romanos 3.27; Efésios 2.9, mas dá toda glória a Deus, Efésios 1.6-7.
Portanto, ninguém pode com justiça
interpretar a Palavra de Deus a menos que ele entenda o princípio da graça
sobre o qual se baseia toda a bondade de Deus ao homem. Em vez disso, ele
enganará aqueles sobre os quais ele tem alguma influência espiritual, e esse é
o motivo por que é tão importante entender e interpretar com justiça a graça de
Deus.
E isso nos leva ainda a outra revelação que
Deus deu, que é a quarta, a revelação da bondade de Deus aos homens. Todas as
atitudes de Deus para com o homem — até que o homem as rejeite mediante
rebelião — são caracterizadas por bondade. Toda a criação foi estabelecida para
manifestar bondade para a humanidade, e só experimentamos coisas ruins porque o
homem faz muitas invenções nas obras de Deus. Nada de ruim vem de Deus, exceto
aquilo que a pecaminosidade e a rebelião humana compelem Deus a enviar.
A evidência mais inicial da bondade spiritual
de Deus para com o homem será totalmente mal compreendida, por causa da
cegueira espiritual do homem que o pecado operou nele. “A benignidade de Deus
te leva ao arrependimento”. (Romanos 2.4) Mas o homem interpreta mal isso como
tentativa de Deus de tirar os prazeres da vida, e torná-lo infeliz. Quando o
homem rejeita a bondade de Deus, então a ira de Deus é revelada contra toda
impiedade, versículos 4-6, pois é uma cegueira proposital às evidências
universais da bondade de Deus, Romanos 1.18-20.
As Escrituras muitas vezes enfatizam a
bondade de Deus que nos cerca completamente, Salmo 33.5: “A terra está cheia da
bondade do SENHOR”. Salmo 52.1: “A bondade de Deus permanece continuamente”.
Nem é toda essa bondade apresentada como algo que é frustrantemente fora de
nosso alcance, ou proibida para o nosso gozo, pois Deus “nos dá todas as coisas
para delas gozarmos”. (1 Timóteo 6.17) É uma paródia diabólica fazer de Deus um
grande estraga-prazeres cósmico que está fazendo tudo em Seu poder para tornar
o homem tão infeliz quanto possível. Sim, às vezes pregadores ignorantes
mediante sua pregação legalista dão a mesma impressão. Nada poderia ser mais longe
da verdade. Não há nada verdadeiramente bom que o mundo goze que Deus não tenha
permitido a Seu povo também gozar, contanto que eles o façam dentro dos limites
de segurança que Ele colocou ao redor deles. Deus só proíbe aquilo que é
espiritualmente mortal, que só um imbecil completo poderia desejar.
Deus revelou Sua bondade para Sua criação de
modo que pudéssemos ver o valor que Ele dá ao nosso amor, adoração e louvor. Ai
de nós! Somos muitas vezes como animais vorazes que rosnam contra seus donos
até mesmo enquanto comem daquilo que os seus donos lhes dão. Ao mesmo tempo em
que Deus derrama Sua bondade com tal abundância, muitas pessoas, inclusive
santos professos, rosnam contra Ele, e O criticam dizendo que não têm mais e
melhores coisas. A ingratidão é uma evidência de depravação, Romanos 1.21-22:
“Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram
graças; antes, em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se
obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos”.
Deus revelou muitas coisas em Sua Palavra, e
essas foram reveladas “para que cumpramos todas as palavras desta lei”.
(Deuteronômio 29.29) Então a Palavra de Deus é lei, não uma mera opinião ou
sugestão, e ninguém pode manejar bem a interpretação das Escrituras se não
começar reconhecendo e se submetendo à Palavra de Deus que é tanto completa
quanto inerrante.
A LEI
DA SUBMISSÃO
ESTUDOS EM HERMENÊUTICA BÍBLICA
É um fato verdadeiro que ninguém pode vir a
entender genuinamente a Palavra de Deus enquanto ele estiver apegado a uma
idéia preconcebida sobre o sentido de determinada passagem. Muitas vezes ele é
motivado nisso por interesse próprio. A idéia preconcebida é um bloqueio mental
que resiste eficazmente à verdade. Observamos isso numerosas vezes na vida de
Cristo, pois muitos dos judeus foram até Ele ao saberem dos grandes milagres
que Ele realizava. Contudo, quando Ele não aceitou ser forçado a entrar no
molde das idéias preconcebidas que eles tinham dEle quanto ao que o Messias
deveria ser, eles foram embora decepcionados e bravos, e foram no final os que
gritaram: “Crucifica-O! Crucifica-O!” O orgulho, o preconceito e as idéias
preconcebidas podem levar uma pessoa a fazer loucura.
Se o homem é uma criatura caída e depravada,
e as Escrituras declaram esse fato com abundância, então não se deve jamais
deixar a vontade da carne exaltar-se acima da vontade revelada de Deus. Na
medida em que o Espírito de Deus é o Autor das Escrituras, bem como o
Interpretador delas, deve-se olhar somente para Ele a fim de se obter a
interpretação certa desse Livro. “Porque qual dos homens sabe as coisas do
homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as
coisas de Deus, senão o Espírito de Deus.” (1 Coríntios 2:11)
A fim de alcançar a interpretação certa das
Escrituras, o homem deve ser submisso ao Espírito de Deus, pois há outros
“espíritos” que certamente o desviarão se não se buscar a liderança do
Espírito. Em 1 Coríntios 2:11-12 se mencionam três espíritos distintos que
podem influenciar as reações do homem. Há: (1) O espírito humano, (2) O
Espírito Santo, e (3) O espírito do inferno, que é Satanás em seu papel como o
“deus deste mundo”, 2 Coríntios 2:4. Pelo fato de que ele não é onipresente
como o Espírito de Deus, ele tem muitos “espíritos enganadores” — demônios —
que o ajudam em seus enganos, 1 Timóteo 4:1, e esses são as causas de todas as
doutrinas falsas.
Que essa submissão necessária se ache
geralmente nas pessoas verdadeiramente nascidas de Deus, mas só nelas, é
indicada na declaração de 1 Coríntios 2:12-14: “Mas nós não recebemos o
espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos
conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus. As quais também falamos, não
com palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito Santo ensina,
comparando as coisas espirituais com as espirituais. Ora, o homem natural não
compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não
pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente”. A diferença nesses
dois tipos diferentes está na submissão do cristão a Deus.
Essa necessidade de submissão foi o que Jesus
mencionou quando disse: “Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina
conhecerá se ela é de Deus, ou se eu falo de mim mesmo”. (João 7:17) Esse mesmo
dever foi apresentado no Antigo Testamento, em Oséias 6:3: “Então conheçamos e
prossigamos em conhecer ao SENHOR”. Nada ajuda mais alguém a vir a interpretar
corretamente as Escrituras do que ter uma vontade humilde e submissa para fazer
a vontade de Deus, e nada perverte tão rapidamente a verdade como uma má
vontade de fazer o que Deus tem revelado como Sua vontade. Essa Lei, pois, é de
grande importância, e deve ser secundária só ao fato de que já se fez uma
revelação da vontade de Deus. Nenhuma atitude do estudante da Bíblia é tão
importante como essa.
“Assim como a Bíblia nos foi dada para
propósitos práticos, influenciando caráter, conduta e destino, nosso estudo da
Bíblia, para ser proveitoso, deve estar em linha com esses propósitos. O ponto
central de toda lição, pois, será sua doutrina nessas questões, e essa doutrina
deve ser de tal forma recebida pela fé e assimilada pela obediência a ponto de
se tornar um conhecimento por experiência. ‘Se alguém quiser fazer a vontade
dele, pela mesma doutrina, conhecerá se ela é de Deus’. A confirmação contínua
e certeza elevada de que estamos interpretando corretamente a Palavra divina
pode vir somente aos que podem dizer: ‘Então conheçamos e prossigamos em
conhecer o Senhor’, no mesmo modo de experiência que traz suas bênçãos com cada
passo a frente. ‘Aquele, porém, que atenta bem para a lei perfeita da
liberdade, e nisso persevera, não sendo ouvinte esquecidiço, mas fazedor da
obra, este tal será bem-aventurado no seu feito’”. — B. H. Carroll, An
Interpretation of the English Bible (Uma Interpretação da Bíblia em Inglês),
Vol I, p. 9.
Dá para ver facilmente a verdade de João 7:17
quando consideramos que todo ateu militante estuda as Escrituras, mas nunca
chega a conhecer a verdade. O motivo disso é que ele estuda com o objetivo de
refutar e derrubar os ensinos da Palavra de Deus, e por esse motivo, ele é
incapaz de vir a entender verdadeiramente seu sentido. Sua atitude é errada,
pois ele está determinado em sua oposição a Deus, e Deus pois não lhe dará a o
discernimento para entender corretamente a verdade espiritual.
“Nessa declaração nosso Senhor declarou um
princípio de suprema importância prática. Ele nos informa como certamente se
pode alcançar o alvo em conexão com as coisas de Deus. Ele nos diz como se
obter discernimento e certeza espiritual. A condição fundamental para se obter
conhecimento espiritual é um desejo genuíno de coração de realizar a vontade
revelada de Deus em nossas vidas. Sempre que o coração está reto Deus dá a
capacidade de compreender Sua verdade”. — A. W. Pink, The Gospel of John (O
Evangelho de João), Vol. I, p. 385.
É um engano comum os homens suporem que eles
têm a capacidade de entender as coisas espirituais somente pelo mero exercício
de suas faculdades mentais naturais. Mas as Escrituras negam isso em muitos
lugares, pois as coisas espirituais progridem de acordo de leis espirituais, e
só dá para entendê-las quando se reconhece essas leis espirituais e se submete
ao Autor Divino das Escrituras. “E, ainda que tinha feitos tantos sinais diante
deles, não criam nele; para que se cumprisse a palavra do profeta Isaías, que
diz: Senhor, quem creu na nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor?
Por isso não podiam crer, então Isaías disse outra vez: Cegou-lhes os olhos,
endureceu-lhes o coração, a fim de que não vejam com os olhos, e compreendam no
coração, e se convertam, e eu os cure”. (João 12:37-40) Esse mesmo texto de
Isaías 6:9-10 é citado pelo menos em três outros lugares no Novo Testamento no
mesmo contexto. “Pois quê? O que Israel buscava não o alcançou; mas os eleitos
o alcançaram, e os outros foram endurecidos”. (Romanos 11:7) “Mas os seus
sentidos foram endurecidos; porque até hoje o mesmo véu está por levantar na
lição do velho testamento, o qual foi por Cristo abolido”. (2 Coríntios 3:14)
É mediante somente pelo poder iluminador do
Espírito de Deus que alguém pode entender as verdades espirituais da Bíblia. E
é frequentemente verdadeiro que aqueles que têm mais aprendizado humano, pelo
fato de que confiam nisso em vez de serem conduzidos pelo Espírito, chegam a
entender com menos plenitude a verdade do que aquele que tem menos formação
educacional, pois este está consciente da necessidade de ser instruída pelo
Espírito de Deus. Foi a própria promessa do Senhor que declarou: “Mas, quando
vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não
falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há
de vir”. (João 16:13) Observe que o Espírito guiará em toda a verdade, e
portanto quando alguém vier a conhecer a verdade, é mediante a obra do Espírito
Santo e não por outro meio. Desses fatos torna-se óbvio que a qualquer momento
que alguém rejeita o ensino do Espírito Santo, e confia somente no raciocínio
humano para entender a Palavra de Deus, ela imediatamente cai vítima da
frustração e confusão. Este não está em submissão ao Autor e Intérprete das
Escrituras. Olhando com objetividade o caso não pode ser de outro jeito.
Somente onde há uma plena submissão ao ensino e liderança do Autor das
Escrituras pode a capacidade de entender profundamente o verdadeiro sentido
delas ser recebida.
A LEI DO
SENTIDO COMUM
ESTUDOS EM HERMENÊUTICA BÍBLICA
Ou,Leis
Básicas de Interpretação da Bíblia
O que se quer dizer com essa lei é que onde
certa palavra é usada nas Escrituras, deve-se entendê-la em seu sentido mais
comumente aceito em todo caso onde é possível. Pensando um pouco perceberá a
razão para essa Lei. Se Deus tivesse a intenção de dar uma revelação de Si
mesmo à humanidade, é esperado 1que Ele a daria em palavras que o homem pudesse
entender facilmente, e não encobrir o sentido em termos misteriosos e
desconhecidos. A Palavra de Deus é chamada de “revelação” (grego apokalupse),
porque revela Sua vontade e caminho ao homem. Se Sua palavra tivesse o objetivo
de esconder Sua vontade e caminho ao homem, teria sido chamada apocriypha —
algo escondido — que jamais é o caso. Conforme observamos antes, Deuteronômio
29:29 deixa claro que “As coisas encobertas são para o SENHOR, nosso Deus;
porém as reveladas são para nós e para nossos filhos, para sempre, para
cumprirmos todas as palavras desta lei”. E o Senhor dá testemunho de Sua determinação
de revelar Sua verdade em outros lugares. “Certamente o Senhor DEUS não fará
coisa alguma, sem ter revelado o seu segredo aos seus servos, os profetas”.
(Amós 3:7) Essas duas passagens assim mostram que o que Deus revela ao homem é
bem pertinente a ele, e o que é mantido em segredo dele não tem nenhuma
relevância para ele, nem é ele responsável por isso. A obscuridade deliberada é
impensável numa revelação.
Mas se essas coisas são assim, então é óbvio
que ao dar uma revelação de Sua vontade ao homem, Deus não obscureceria
deliberadamente o sentido dela, mas a apresentaria nos termos mais claros
necessários para o homem entendê-la. Se fosse de outro jeito, não se poderia
fazer com que o homem prestasse contas por conhecê-la, pois até mesmo a lei
humana reconhece o princípio, e declara que nenhuma lei obscura tem alguma
força obrigatória. Se cremos que a Bíblia é a revelação de Si mesmo e Sua
vontade ao homem, então devemos também crer que ela será expressa em termos que
o homem possa entender. E certamente indicam isso as centenas de exemplos em
que as Escrituras dizem “Então falou Deus todas estas palavras”, ou “veio a
palavra do Senhor”, e outras declarações semelhantes que indicam que o que é
entregue é compreensível àqueles a quem é falado.
Por esse motivo não temos a liberdade de
entender qualquer palavra em qualquer sentido, exceto seu sentido mais natural
e comumente aceito, exceto em raras exceções, que consideraremos mais tarde
neste estudo. Alguém bem disse: “Se o sentido comum de uma palavra faz sentido,
então não busque outro sentido”. A tolice de fazer de outro jeito foi mostrada
nos primeiros dias da história cristã, pois até hoje o entendimento de muitas
pessoas acerca das Escrituras foi arruinado pelas interpretações loucas que certos
antigos comentaristas da Bíblia aplicaram às Escrituras. Orígenes (c. 185-254)
de Alexandria, um dos tão chamados “Pais da Igreja”, popularizou a
espiritualização até mesmo dos textos mais simples e ensinando que eles sempre
tinham algum significado misterioso e oculto que não era óbvio ao crente comum.
Seu método de descartar até os ensinos mais claros foi seguido por alguns em
todas as gerações. É claro, o ego do pregador se sente bajulado se ele puder
afirmar achar nos textos simples o que não é evidente para ninguém mais, e isso
explica, em grande parte, a popularidade de tais meios não bíblicos de lidar
com a Bíblia. Um desejo orgulhoso de obter glória para si é sempre uma tentação
para qualquer um, inclusive pregadores. Tendo dito isso, deve-se reconhecer que
há partes das Escrituras que têm sentidos simbólicos ou representativos, pois o
próprio Senhor e Seus escritores inspirados às vezes mostram isso. Mas devemos
ter o cuidado de não inventar tais interpretações, e principalmente nunca ir
atrás de tal modo de interpretação que menospreze o sentido literal do texto.
Mais que freqüentemente, a única razão para
não se querer entender uma palavra ou texto em seu sentido mais comumente
aceito é que essa palavra ou texto entra em conflito com preconceitos pessoais.
Podemos usar como exemplo principal disso a controvérsia que se travou durante
os últimos quatro ou cinco séculos por causa das palavras gregas que são
traduzidas “batizar” e “batismo”, na maioria das versões do Novo Testamento.
Durante os primeiros treze séculos ou mais dessa era ninguém questionava o fato
de que essas palavras gregas significavam o ato de imergir ou imersão. Essas
palavras sempre tinham a ver com a introdução de alguém ou algo numa solução ou
material penetrável. Era uma verdade clara como o sol. Mas começando no século
catorze muitas igrejas começaram a se afastar da imersão como o modo correto da
ordenança cristã como o pré-requisito de ser membro da igreja. E quando os
batistas da época as desafiaram nessa questão, elas tentaram justificar seu
afastamento pondo em dúvida os significados comuns das palavras, e essa prática
tem continuado até hoje entre os desobedientes.
Contudo, poucos eruditos religiosos de
qualquer renome arriscarão sua reputação negando que o sentido básico dessas
palavras é de imergir, mergulhar, abluir-se ou submergir. Quando este escritor
estava preparando seu livro texto “Estudos Acerca da Verdade da Igreja” alguns
anos atrás, ele pesquisou literalmente centenas de testemunhos dos léxicos
gregos, acadêmicos gregos, comentaristas bíblicos, professores de seminários, e
outros com relação a esse assunto. Ele descobriu que antes dos últimos cem anos
aproximadamente, só dois nomes importantes negavam que esse fosse o sentido
mais comum de baptizo e baptisma. Um desses foi um conhecido teólogo que por
sua própria confissão não era um especialista em línguas. O outro era o
renomado Léxico Grego Liddell e Scott. Mas eles receberam tantas críticas de
todas as áreas do Cristianismo por darem “aspergir” como um sentido possível,
que em sua edição seguinte, eles o removeram completamente e não lhe fizeram
nenhuma referência. Os acadêmicos sinceros são compelidos a admitir que a
imersão é o sentido principal dessas palavras.
Muitos pregadores modernos, em seu esforço para
justificar sua prática não bíblica de aspergir ou derramar e chamar isso de
batismo, têm tentado voltar atrás no sentido secundário e metafórico dessas
palavras gregas, que podem ser “cobrir completamente”. Mas até mesmo isso não
lhes dá nenhum consolo ou ajuda, pois o sentido metafórico ainda se baseia no
sentido literal da palavra e não pode ser oposto em sentido a ela. Em nenhum
outro caso que conhecemos o sentido comum de uma palavra é mais bem
estabelecido, ou a tolice que acompanha o ato de se afastar do sentido comum
mais evidente, do que no caso do mandamento do batismo. Assim, isso ilustra a
grande importância na interpretação bíblica de perseverar no sentido principal
das palavras bíblicas.
Nem é o batismo o único exemplo da violação
desse princípio, pois a palavra grega que é traduzida “igreja” (ekklesia) tem
da mesma forma sofrido muito abuso, resultando no que é quase mundialmente
ensinado com um falso sentido. Essa palavra grega deriva-se de ek, fora de, e
kaleo, chamar. Como verbo, significa convocar, e foi comumente usado desse
jeito no grego. Como substantivo, refere-se a “uma assembléia convocada”, e
jamais é usada no Novo Testamento ou na versão grega do Antigo Testamento, nem
nos apócrifos com qualquer outro sentido. A idéia de uma igreja visível e
universal nunca foi apresentada até dois ou três séculos depois de Cristo, e
quando foi apresentada, veio de homens arrogantes e ambiciosos que desejavam
ser senhores soberanos sobre mais do que as assembléias locais. E mais
incoerente ainda, a idéia de uma igreja invisível e universal é de época bem
recente, sendo inventada nos dias da Reforma. Contudo, um cristão hoje será
isolado como um completo herético se ele apenas expressar dúvida acerca da
“Igreja” sendo universal. Essa questão é tratada extensivamente no volume um da
mencionada obra do autor acima.
Mas dissemos que em raros casos seria
justificável afastar-se do sentido principal de uma palavra e aceitar um
sentido secundário. Sob quais circunstâncias isso seria assim? Somente se o
sentido principal de uma palavra, se aceito, se chocasse violentamente com
alguma outra doutrina ou interpretação. Mas isso será um acontecimento bem
raro. Muito mais comumente, quando isso parece ser o caso, ver-se-á que é um
conflito inventado, feito a fim de justificar o ato de deixar o sentido
principal, ou então o conflito evidenciará que uma ou outra das duas
interpretações aparentemente em conflito é errônea.
E como dissemos, tal exemplo em que temos
justificação para deixar o sentido principal em troca de um sentido secundário
será bem raro. No entanto, isso ocorre em raras ocasiões, mas mesmo então, tal
troca jamais contradirá o sentido principal, nem lhe será contrário, a menos
que a palavra tenha um prefixo ou uma partícula adversativa ligada a ela que a
contradiga, que é comumente feito. Mas isso confirma o sentido principal de uma
palavra em vez de justificar um afastamento do sentido.
Muitas vezes supõem que a Bíblia foi escrita
em tal linguagem técnica que as pessoas comuns não podem entendê-la, e
conseqüentemente que os únicos intérpretes confiáveis da verdade bíblica são
aqueles com um título de doutor. Na realidade, a verdade é quase o oposto, pois
as pessoas comuns, se nasceram de novo e são habitados com o Espírito de Deus,
geralmente entenderão as palavras das Escrituras em seu valor mais aparente, e
daí não buscarão ir além do sentido comum dos termos. Por outro lado, os que
são “doutores da lei” (e não estamos condenando a educação nem os títulos em
si) têm a tendência de ficar insatisfeitos com o sentido básico de uma palavra,
mas querem se aprofundar mais do que o sentido superficial, e o resultado é que
eles se inclinarão a ignorar o sentido comum. A educação formal é boa, e todo cristão
deve se esforçar para obter tanto quanto puder. Mas a tragédia é que em muitos
círculos religiosos, acham erradamente que a posse de um título ou dois
automaticamente signifique que uma pessoa é um homem espiritual, e tal não é o
caso. O mundo religioso está cheio de religiosos sem salvação que têm muitos
títulos elevados, mas não têm percepção para entender a verdade espiritual.
Independente de quantos títulos o homem natural tenha, ele não entenderá a
verdade espiritual, 1 Coríntios 2:14.
Às vezes o próprio orgulho influencia o
desejo de trazer indiferença ou questionamento do sentido comum de uma palavra
nas Escrituras, e isso já levou a alguns dos maiores debates e conflitos sobre
palavras. E é interessante que o grego logomacheo de onde extraímos nossa
palavra em português “logomaquia” (ser contencioso sobre palavras) se acha no
contexto imediato da admoestação de Paulo a Timóteo: “Procura apresentar-te a
Deus aprovado”, etc., pois está escrito: “Traze estas coisas à memória,
ordenando-lhes diante do Senhor que não tenham contendas de palavras, que para
nada aproveitam e são para perversão dos ouvintes.” (2 Timóteo 2:14) Aliás,
Paulo várias vezes avisa contra contendas acerca de palavras, 2 Timóteo 2:23;
Tito 3:9. E ele declara que essas contendas acerca de palavras brotam do
orgulho e ignorância. “Se alguém ensina alguma outra doutrina e se não conforma
com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo e com a doutrina que é segundo
a piedade, é soberbo e nada sabe, mas delira acerca de questões e contendas de
palavras, das quais nascem invejas, porfias, blasfêmias, ruins suspeitas,
contendas de homens corruptos de entendimento e privados da verdade, cuidando
que a piedade seja causa de ganho. Aparta-te dos tais”. (1 Timóteo 6:3-5)
E não desejamos ser mal-entendidos aqui, como
se fossemos contra a formação educacional, ou o estudo das línguas originais ou
os sentidos mais profundos das palavras bíblicas, pois essas são todas boas
coisas, e devem ser buscadas. Mas deveria ser evidente para todos que as
palavras da revelação de Deus devem ser adequadas para os ignorantes, e não os
sábios, quando consideramos que “…não são muitos os sábios segundo a carne… que
são chamados”. (1 Coríntios 1:26) Pois ao chamar Seu povo do meio dos
ignorantes, fracos e ignóbeis, Deus deve necessariamente escolher as palavras
da chamada em termos simples e fáceis de entender. Foi por esse motivo que
Paulo não deu muita importância para falar línguas estrangeiras entre os
coríntios, pois não lhes era proveitoso, a menos que se empregassem palavras
fáceis de entender. “Assim também vós, se com a língua não pronunciardes
palavras bem inteligíveis, como se entenderá o que se diz? porque estareis como
que falando ao ar.” (1 Coríntios 14:9)
Ao interpretar as Escrituras, devemos primeiramente
reconhecer que elas são uma revelação da Pessoa e vontade de Deus ao homem, e
portanto são expressas em terminologia humana comum. Não devemos
desnecessariamente complicar sua mensagem aplicando sentidos incomuns a suas
palavras. O orgulho do intérprete da Palavra poderá ficar exaltado se parecer
que ele tem a capacidade de descobrir muitas verdades misteriosas a partir de
uma Escritura aparentemente simples e aberta. Contudo, isso não servirá para a
edificação dos ouvintes comuns, o que é o mais importante. Que os frutos
amargos do método de Orígenes de espiritualizar até mesmo os textos mais
simples das Escrituras nos sejam de aviso contra tais práticas.
A Lei do uso comum
ESTUDOS EM HERMENÊUTICA BÍBLICA
Ou, Leis
Básicas de Interpretação da Bíblia
Essa lei está ligada à lei anterior, mas não
é a mesma coisa, pois podemos aprender mais acerca do significado de uma
palavra observando como é comumente usada. Muitas vezes ao observar todas as
vezes em que determinada palavra aparece no Novo Testamento, vemos com que ela
lida negativamente ou positivamente e a plenitude de seu sentido. Para citar
uma ilustração: a palavra grega kosmos tem o sentido básico de ordem, arranjo,
ornamento, adorno. É traduzida “mundo”, em todas as 188 vezes em que aparece,
exceto em 1 Pedro 3:3, onde é traduzida literalmente “enfeite”. Muitas pessoas
erroneamente presumem que essa palavra sempre e sem exceção se refere a toda a
humanidade, mas tal não é o caso, pois um exame cuidadoso de todas as vezes em
que ela aparece mostra que tem pelo menos treze aplicações diferentes.
Portanto, ninguém pode com justiça interpretar qualquer texto usando kosmos se
não levar isso em consideração e cuidadosamente estudar o contexto para apurar
ao que é biblicamente aplicado. Deve-se temer que a negligência de fazer isso
vem promovendo muita falsa doutrina.
Ou para citar outro exemplo: Embora não tão
comum hoje como eram há duas gerações, muitos pregadores tinham o costume de
entrar em debates acerca de assuntos religiosos. A justificativa para esses
debates era que raciocinava-se que embora nenhum dos dois debatedores pudesse
ser influenciado ou mudado de sua posição, porém os que escutavam e observavam
os debates poderiam aprender doutrina, e alguns, talvez, até mesmo se converter
através disso. Isso soa lógico e bom.
Mas quando consideramos todas as vezes em que
aparece a palavra grega traduzida “debate” (eris), vemos que jamais é usada num
bom sentido. De modo oposto, Paulo a denomina obra da carne, que é condenada.
“Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério,
prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias
[grego eris = debate]”, etc. (Gálatas 5:19-20). E em Romanos 1:29 Paulo
descreve os homens a quem Deus entregou a uma mente pervertida, para fazer
aquelas coisas que não são convenientes, tais como estar “cheios de toda
iniqüidade, prostituição, malícia, avareza, maldade; cheios de inveja,
homicídio, contenda (eris), engano, malignidade;” etc. De novo, ele pergunta em
1 Coríntios 3:3: “Porque ainda sois carnais; pois, havendo entre vós inveja,
contendas [eris = debate] e dissensões, não sois porventura carnais, e não
andais segundo os homens?”
Certamente não podemos visualizar como sendo
boa qualquer coisa que ande em tal má companhia, como acontece com essa
palavra, e achamos impossível ver qualquer coisa boa vindo daquilo que a
Palavra de Deus declara que é uma marca de carnalidade. Isso só mostra como uma
idéia errônea pode ocorrer quando o uso comum de uma palavra do Novo Testamento
não é considerada e todos os seus usos comparados. Assim, muitas vezes nos
esquecemos do aviso de 2 Coríntios 10:5, “Destruindo os conselhos, e toda a
altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo o
entendimento à obediência de Cristo;”.
Isso nos leva a considerar outra prática
errada que é muito comum entre o povo do Senhor, e essa prática é fazer com que
o bom senso comum seja o juiz e júri quanto ao que é certo numa interpretação
ou prática. Já que “comum” significa aquilo que todos têm em comum, e as
Escrituras muitas vezes nos avisam que a maioria da humanidade não é salva, nem
espiritual, nem consciente da verdade, podemos ver o perigo de seguir o “bom
senso comum” em assuntos espirituais. Se substituirmos o “bom senso comum” pelo
“sentido e uso comum” de uma palavra no Novo Testamento, só poderemos esperar
terminar em confusão. Na melhor das hipóteses, o “bom senso comum” é apenas
raciocínio humano, no qual jamais se pode depender quando o bom senso se afasta
do veredicto autorizado da Palavra. Paulo foi inspirado a mandar o povo do
Senhor sujeitar todas as imaginações do homem à mente de Cristo, que é só
conhecida através da Palavra de Deus, 2 Coríntios 10:4-5.
Pelo fato de que a mente humana foi afetada
pela queda do homem no pecado no Jardim do Éden, não se pode jamais confiar
totalmente na mente até que a carne seja redimida na volta do Senhor. Até
então, mesmo os cristãos precisarão constantemente ser renovados na mente,
Romanos 12:2; Efésios 4:23, e eles jamais podem confiar em sua própria
capacidade de raciocinar para interpretar a Palavra. Precisamos permitir que as
leis já consideradas nesta série tenham impacto pleno sobre o sentido e uso
comum de uma palavra, ou então o erro certamente ocorrerá.
Nós nos aventuramos a dar outro exemplo da
tolice de se afastar do uso comum de uma palavra — neste exemplo, o uso
universal de uma palavra — e de substituir o raciocínio humano no seu lugar. Em
Mateus 13:33 Jesus disse: “Outra parábola lhes disse: O Reino dos céus é
semelhante ao fermento, que uma mulher toma e introduz em três medidas de
farinha, até que tudo esteja levedado”. Soltando as amarras do ancoradouro do
uso comum, e dando liberdade para a imaginação, os homens têm concluído que
aqui fermento era um tipo do Evangelho, que, assim pensava-se, ao ser
introduzido no mundo, logo se expandiria no mundo inteiro, e faria com que
todas as pessoas se tornassem cristãs. Essa interpretação foi dada como um meio
de justificar uma falsa doutrina — o erro do pós-milenialismo, que só se pode
aceitar mediante uma interpretação incorreta dos ensinos simples da Palavra de
Deus. Chegou-se a essa conclusão sobre o sentido do fermento aqui apesar do
fato de que o fermento (grego zume) jamais é usado num bom sentido, mas sempre
num sentido maligno nas Escrituras. O uso comum dessa palavra é totalmente
contra a interpretação de que o fermento aqui é um tipo do Evangelho, mas
alguns homens que, em outros aspectos são bons e firmes, têm sido
desencaminhados porque ignoraram essa Lei do Uso Comum. “Fermento” aparece
quinze vezes no Novo Testamento, mais um número ainda maior de vezes no Antigo
Testamento, e com a exceção da vez em que aparece em Mateus 13:33 e na passagem
paralela de Lucas 13:21, é sempre como algo que se deve evitar, e os crentes
recebem ordens de removê-lo. E esses dois textos não são exceções ao uso comum,
pois ensinam a mesma verdade, exceto que aqui “fermento” é usado como uma
representação ou metáfora. Referência a Mateus 16:12 revela com que intenção se
tipifica o fermento na parábola de Jesus. “Então compreenderam que não dissera
que se guardassem do fermento do pão, mas da doutrina dos fariseus”.
A intenção da parábola de Jesus era mostrar,
não os efeitos extensivos do Evangelho no mundo inteiro, mas em vez disso os
efeitos extensivos e corruptores da doutrina falsa. Nas Escrituras, muitas
vezes a mulher é usada para tipificar um sistema moral ou religioso, bom ou
mau. Veja o aspecto mau descrito em Apocalipse 17:1. Nessa parábola a mulher
representa um falso sistema religioso que introduz falsa doutrina no mundo
religioso com o resultado de que o reino terreno do céu é pervertido. É
exatamente isso o que aconteceu, começando no segundo e terceiro séculos, e o
resultado foram todas as falsas igrejas do catolicismo e protestantismo. Todas
as parábolas em Mateus 13 que antecedem à parábola do versículo 33 haviam
predito somente um sucesso limitado na semeadura da semente porque o diabo
mandaria obreiros maus para introduzir ervas daninhas (religiosos não salvos)
no meio da boa semente, e essas seriam misturadas no reino do céu para seu
grande prejuízo. Ter agora uma parábola que mostre expansão e sucesso quase
universal do Evangelho seria uma contradição gritante do tema inteiro dessa
série de parábolas, as quais estão todas inter-relacionadas, e harmoniosas em
seus ensinos. Mas interpretação contra as representações, parece, não tem nada
de errado para alguns intérpretes se a representação confirmar seu falso
sistema de doutrina que não se poderia confirmar de outro modo. Mas tal é
contrário a toda interpretação correta da Bíblia.
“O princípio da fermentação que lhe é
inerente o torna o símbolo de corrupção, pois a fermentação é o resultado da
maldição divina sobre o universo material por causa do pecado. Sempre na
Bíblia, o fermento fala do mal em algum forma… Em Mateus 16:12, o fermento fala
da doutrina diabólica em sua forma triplicada de farisaísmo (externalismo na
religião), saduceísmo (ceticismo acerca do sobrenatural e das Escrituras) e
herodianismo (mundanismo)”. — Kenneth S. Wuest, Word Studies In The Greek New
Testament (Estudos da Palavra no Novo Testamento Grego), Vol. I, p. 162.
Essa necessidade de considerar o uso paralelo
de uma palavra ao interpretar as Escrituras é mostrada em 1 Coríntios 2.12-13:
“Mas nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus,
para que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus. As quais
também falamos, não com palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito
Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais”. Aqui
observamos várias coisas pertinentes sobre a interpretação das Escrituras. (1)
É somente mediante o Espírito Santo que podemos entender as coisas de Deus. (2)
Ele foi dado “para que pudéssemos conhecer” etc., o que dá prova de que é a
vontade de Deus que Seu povo tenha consciência da verdade que está guardada nas
Santas Escrituras. (3) Não se aprende essas coisas através das palavras da
sabedoria humana, mas somente através das palavras da sabedoria divina. É por
esse motivo que precisamos guardar as palavras que a sabedoria humana deu em
vez de substituir os termos e sinônimos humanos onde for possível. (4)
Finalmente, esse entendimento das coisas de Deus ocorre somente “comparando as
coisas espirituais com as espirituais”. É isso que queremos enfatizar — a
comparação de todos os usos de determinada palavra ou doutrina nas Escrituras é
o modo divinamente ordenado de interpretar a Palavra. Uma das formas mais
comuns de apresentação da Bíblia é o paralelismo — a colocação de duas
declarações em paralelo uma com a outra a fim de compará-las, ou contrastá-las,
assim definindo-as com mais clareza por cada parte explicando a outra.
A LEI DA
LINGUAGEM
ESTUDOS EM HERMENÊUTICA BÍBLICA
Ou, Leis Básicas de Interpretação da Bíblia
Essa lei bem que poderia ter o título de “A
Lei da Estrutura Gramatical”, pois ela tem relação com as formas e estruturas
das palavras e seu arranjo normal em frases e orações. Portanto, com essa lei
nossa intenção é considerar a importância que diferentes tempos, modo verbal,
número, voz, etc., têm na interpretação apropriada das Escrituras, e
principalmente nas línguas da Inspiração. É um fato que muitas vezes uma
interpretação errônea é produzida quando, por simples negligência, não se
considera o modo exato em que uma declaração é apresentada na Palavra de Deus.
A Palavra de Deus é totalmente inspirada, e portanto podemos esperar que toda
partícula dela tenha uma significação digna de nossa maior atenção. Nada disso
poderia ser desse jeito se, como afirmam alguns liberais, só os pensamentos
fossem inspirados, com a construção exata das palavras deixadas à escolha do
escritor individual. As Escrituras ensinam em 1 Pedro 1:10-12 que os escritores
inspirados às vezes não entendiam o que profetizavam, mas tinham de estudar
diligentemente seus próprios escritos para apurar o que estavam profetizando.
Nosso Senhor negou a opinião dos liberais acerca da doutrina da inspiração
quando Ele disse: “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de
passar”. (Mateus 24:35) E ainda mais pertinente é Sua declaração em Mateus
5:18: “Até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei,
sem que tudo seja cumprido”.
Nessa última passagem, a palavra “jota” se
refere à letra hebraica Yod, a menor desse alfabeto, enquanto “til” se refere
ao chifrinho ou anexo que diferenciava algumas letras hebraicas de outras,
nenhum dos quais saiu de existência. Imagine! Não só as palavras, mas até mesmo
as menores letras, bem como as partes menores das letras que compunham as
palavras, não sairiam de existência, mas permaneceriam até que tudo se
cumprisse. Isso mal parece a opinião dos liberais acerca da inspiração, e estudos
adicionais confirmarão isso.
É bem importante na consideração de qualquer
passagem determinada das Escrituras dar atenção adequada aos tempos verbais
usados, pois essa é a categoria gramatical que determina o tempo da ação ou o
estado de existência de um sujeito. Citamos, mediante ilustração, uma passagem
em que alguns cometeram esse erro, e conseqüentemente apareceram com um erro
bem sério com relação às oportunidades de salvação após a morte. As Escrituras
declaram que “porque por isto foi pregado o Evangelho também aos mortos, para
que, na verdade, fossem julgados segundo os homens na carne, mas vivessem
segundo Deus em espírito;”. (1 Pedro 4:6) A partir desse texto alguns têm
formulado uma doutrina de uma segunda chance para os homens serem salvos após a
morte. Eles baseiam essa idéia na idéia errônea de que o Evangelho foi pregado
àqueles que estão mortos, dando-lhes uma segunda chance de ser salvos. Mas uma
cuidadosa atenção aos tempos verbais mostra o erro dessa interpretação. O
Evangelho foi pregado (tempo passado) àqueles que estão (agora) mortos (tempo
presente), que faz uma diferença muito grande de entendimento no que alguns
propõem.
É ainda muito melhor se podemos estudar as
Escrituras em suas línguas originais, pois as línguas que a Inspiração escolheu
nas quais registrar a Palavra de Deus — o hebraico do Antigo Testamento e o
grego do Novo Testamento — são ambas mais precisas do que nossa língua
portuguesa. Dá para ver isso pegando uma concordância em português e procurando
quase todas as palavras comuns. Pois veremos que muitas vezes uma palavra em
português será usada para traduzir até uma dezena de palavras gregas e
hebraicas totalmente diferentes, das quais todas têm variadas nuanças de
sentido, a maioria das quais o português não revela. É claro que muitas vezes
isso não é possível para os leigos, e assim Deus chama os pastores, que
comumente são versados nas línguas da Inspiração, para lhes expor a Palavra.
Mas às vezes até mesmo os pastores podem não ter conhecimento do hebraico e grego,
porém Deus dotou muitos homens piedosos do passado com conhecimento dessas
línguas, e os levou a escrever comentários em que se explicam as línguas
originais. Lamentavelmente, temos conhecido alguns pregadores que se recusaram
a usar quaisquer tais auxílios sob a alegação de que o Espírito Santo lhes
ensinaria o que eles precisavam saber. A atitude deles, se podemos julgar pela
prática deles, é a atitude orgulhosa e arrogante que “de todos os homens só eu
sou conduzido pelo Espírito de Deus. Esses outros homens que escreveram todos
esses comentários não eram conduzidos pelo Espírito de Deus ao fazerem isso,
mas só inventaram essas coisas. Não preciso delas, pois sou mais espiritual do
que esses homens”.
Se essa não é a atitude deles não sabemos
qual a desculpa que eles têm para não usar os bons estudos e dissertações que
Deus deu a homens bons e piedosos das gerações passadas. E deve-se logo admitir
que nenhum comentarista escreveu por inspiração. Por isso, às vezes eles
estavam errados em algumas dissertações, mas talvez não mais errados do que nós
todos estaremos quando estivermos diante do tribunal de Cristo.
No Novo Testamento grego os tempos presente e
futuro geralmente correspondem aos tempos do mesmo nome em português. Mas a
língua grega tem vários tempos que têm a ver com ações passadas, mas com
diferentes nuanças de sentido do nosso tempo passado em português. Muitas
vezes, esses tempos não são traduzidos, de modo que a nuança de sentido que a
Inspiração deu a determinado verbo não é revelada. O tempo imperfeito grego
expressa uma ação prolongada ou recorrente no tempo passado. O tempo aorista
grego é estritamente a expressão de uma única ação momentânea ou transitória,
sendo assim distinta do imperfeito. E no modo indicativo comumente significa o tempo
passado. O tempo perfeito é muitas vezes traduzido como um simples tempo
presente, mas tem a noção dupla de uma ação terminada no tempo passado, e de
seu efeito existindo até o presente. Esse é um tempo de modo especial
abençoado, já que muitas vezes expressa a posição do cristão em Cristo, mas que
geralmente não aparece em nossa tradução em português. O tempo mais que
perfeito expressa o efeito como passado bem como a ação. (Sobre essas questões,
veja Harper Brothers’ Analytical Greek Lexicon [Léxico Grego Analítico dos
Irmãos Harper], p. xlii.)
O efeito prejudicial de não conhecer todos os
verbos gregos se vê na doutrina que se cria a partir de Mateus 16:19, que é
quase o oposto do que é apresentado pelos verbos da Inspiração. Muitas pessoas
e até denominações inteiras usam isso como justificativa para uma igreja
decretar qualquer coisa que lhe agrade, como se o Senhor a fosse sancionar.
Tomamos a liberdade aqui de registrar nossas observações neste texto:
“A maioria das traduções, inclusive João Ferreira
de Almeida, têm ignorado completamente os tempos, principalmente o uso de
‘ligar’ [amarrar] e ‘desligar’ [desamarrar] de cada seção do versículo. Pois
esses outros usos das palavras não são de forma alguma os tempos futuros, como
indica a versão em português, mas são os tempos perfeitos, que representam uma
ação que foi completada, porém com resultados que se estendem ao presente. Uma
tradução literal, assumindo conhecimento de todo verbo em seu devido tempo
teria a leitura: ‘E aquilo que tu amarrares (subjuntivo futuro ativo, indicando
possível ação no futuro) na terra será (indicativo futuro, indicando simples
ação futura) o que já foi amarrado, resultando numa amarração permanentemente
estabelecida (particípio passivo perfeito, indicando uma ação passada terminada
com resultados progressivos) no céu. E aquilo que tiveres desamarrado
(subjuntivo aorista, uma possibilidade passada simples) na terra, será (futuro,
indicando simples ação futura) o que foi desamarrado, resultando numa
desamarração permanentemente estabelecida (particípio passivo perfeito, de novo
indicando uma ação passada terminada com resultados progressivos) no céu’.
Assim, em vez de a Cabeça da igreja dar permissão às igrejas para fazerem
quaisquer regras que quiserem para regular sua adoração, Ele as confinou a
sempre ‘amarrar’ e ‘desamarrar’ somente em conformidade com os princípios que
já foram estabelecidos no céu. Em outras palavras, tudo deve ser regulado pelos
princípios revelados nas Escrituras Inspiradas”. — Studies On A Harmony Of The
Four Gospels (Estudos acerca de uma Harmonia dos Quatro Evangelhos), p.
481. (Manuscrito não publicado.)
Nós nos aventuramos a dar ainda outra
ilustração que, embora sem relação com um grande erro doutrinário, é apesar de
tudo um erro. Alguns homens, a fim de se apegarem à teoria de que a ordenação
ao ministério do Evangelho é absolutamente necessária para a administração do
batismo, declaram que o diácono Filipe se tornou um pregador ordenado antes que
ele batizasse os samaritanos e o etíope, Atos 8. Contudo, lemos acerca dele
alguns vinte anos mais tarde que ele ainda era considerado um dos sete diáconos
originais, muito embora ele fosse agora conhecido como “Filipe, o evangelista”,
Atos 21:8. A declaração “que era um dos sete” soa em português como se se
referisse ao que ele era uma vez. Mas na verdade, o verbo grego é um particípio
presente — “sendo um dos sete”, de modo que, longe de ser um pregador ordenado
pelo modo costumeiro, ele ainda era reconhecido como um dos sete diáconos
originais. O erro de pensar que Filipe havia se tornado um pregador ordenado
surgiu em parte pelo fato de se atribuir à palavra evangelista um sentido
moderno. Em nossa época, essa palavra veio a significar um pregador que é só um
reavivalista, mas nas três vezes em que aparece no Novo Testamento, a palavra
sempre é usada em contraste ao ministério pastoral ordenado da Palavra, e em
vez disso tem o sentido de “evangelizar”.
Há também a necessidade de considerarmos
cuidadosamente os substantivos e seus pronomes a fim de chegarmos a entender de
modo adequado as Escrituras, pois acontece às vezes que a interpretação certa
dependerá deles. Por exemplo, o catolicismo romano coloca muita ênfase em que
suas mulheres tenham todos os filhos que puderem, e lhes promete, aliás, vida
eterna por fazerem isso. Eles baseiam isso numa interpretação incorreta de 2
Timóteo 2:15: “Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer com
modéstia na fé, no amor e na santificação”. Mas essa interpretação incorreta
não sobreviverá se tão somente considerarmos cuidadosamente os dois pronomes
desse versículo. “Ela” se refere à mulher, mas o pronome “eles” sendo diferente
em número, não pode se referir à mesma pessoa, mas se refere a seus filhos.
Isso não tem nada a ver com a salvação da alma, mas em vez disso está
relacionado à vida da mãe. Uma mãe vive indiretamente de seus filhos, de modo
que se eles forem filhos cristãos fiéis — quer dizer, “se permanecer com
modéstia na fé, no amor e na santificação”, — então qualquer que seja o
sofrimento que ela possa ter suportado dando à luz a eles não terá sido em vão.
Caso contrário, a vida dela terá sido em vão, e o propósito inteiro de sua vida
terá se perdido. Os homens levantam para si monumentos no governo, nos
negócios, nas artes e outras áreas, pois a esfera de trabalho do homem tem
historicamente sido pública. Mas a esfera da mulher, tendo sido historicamente
no lar, seus filhos são os monumentos dela, e ela é salva neles — quer dizer,
ela vive deles, mas eles resplandecerão bem sobre ela somente se eles forem
cristãos bons e fiéis.
Há muitos outros exemplos onde é necessário
considerar cuidadosamente o substantivo e seu pronome a fim de se entender e
interpretar corretamente as Escrituras. Pois se um pronome é interpretado para
se referir ao antecedente errado, então na melhor das hipóteses o resultado
será uma interpretação errada e, dependendo do assunto sob consideração, poderá
se produzir uma grande heresia.
Um dos piores exemplos da interpretação
errada de pronomes se encontra na interpretação comum de 2 Pedro 3:9. “O Senhor
não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo
para connosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a
arrepender-se”. A interpretação comum desse texto aplica-o a todas as pessoas
perdidas, mas em nenhuma parte toda a humanidade está em vista no contexto, nem
os pecadores em geral. “Alguns” e “todos” são ambos pronomes, e nenhum pronome
pode permanecer sozinho, mas deve se referir a um substantivo ou pronome
antecedente. O “todos” que Deus deseja que venham ao arrependimento se refere
ao “alguns” que Deus não quer que pereçam. Mas nenhuma dessas duas palavras
identifica de quem são, de modo que devemos voltar um passo atrás, e achamos
ainda outro pronome — “convosco”. Entretanto, esse é ainda outro pronome, de
modo que ainda não identificamos quem são aqueles que Deus não quer que
pereçam, mas venham ao arrependimento. O próximo substantivo é “Amados” no
versículo 8, mas embora essa palavra seja uma terminologia comum para o povo do
Senhor, não é ainda tão específico quando necessário para identificá-los no
versículo 9. No entanto, o substantivo aparece antes disso nos versículos 1 e
2, onde vemos que ele se refere às mesmas pessoas a quem foram dirigidas na
primeira epístola que Pedro escreveu, e que define quem são eles. “Pedro,
apóstolo de Jesus Cristo, aos estrangeiros... eleitos…” (“aos estrangeiros
eleitos espalhados” é assim que se lê o texto inspirado). Claramente então o
“alguns” que Deus não quer que pereçam, mas o “todos” dos quais Ele quer que
venham ao arrependimento, são os eleitos. Isso está em harmonia com o propósito
declarado do próprio Salvador, que disse: “Todo o que o Pai me dá virá a mim
(os eleitos, como essa frase sempre quer dizer) vem a mim”. (João 6:37) E
também: “Dos que me deste nenhum deles perdi”. (João 18:9)
A outra interpretação mais comum, embora seja
dada com um desejo sincero de fazer com que os pecadores percebam a disposição
de Deus de salvar aqueles que se arrependem, é uma interpretação muito
incorreta. E pior ainda, sugere a noção, que desonra a Deus, de que Deus é
impotente para salvar todos os que Ele escolheu, e está constantemente
frustrado em Seu propósito de graça. Muitas vezes as Escrituras declaram que
Deus realiza tudo o que Ele determina, Salmos 103:19; 115:3; Isaías 46:9-10;
Romanos 8:28-30; Efésios 1:11, e outros.
Nesse ponto precisa-se dizer algo mais sobre
a palavra “todos”. Uma breve canção comum, mas totalmente sem sentido e
enganosa, é muitas vezes imitada como se fosse a palavra do próprio Senhor.
Muitas vezes se diz que “Tudo significa tudo, e isso é tudo o que tudo significa”.
Errado! Deve-se enfatizar que a palavra “todos” não só não abrange tudo, como
pensam alguns, mas também é sempre limitada em todo uso. “Todos” jamais pode
permanecer só, pois é sempre usada como pronome, adjetivo ou advérbio. Mas não
importa qual seja seu uso, é limitada por substantivo, pronome, verbo, adjetivo
ou advérbio que a modifique. E o fato de que nem sempre se declare (mas só se
insinue) a palavra que ela modifica não altera esse fato.
Não se pode minimizar a importância das
preposições em nosso estudo das Escrituras, pois muitas vezes elas são os
pontos decisivos para algumas interpretações. De novo citamos um exemplo. Os
defensores do batismo por aspersão e efusão há muito desafiam o sentido da
palavra grega baptizo, como aliás eles são obrigados a fazer a fim de sustentar
que o rito seja realizado em qualquer outro modo que não seja por imersão. Mas
as preposições que são usadas em conexão com baptizo são tais que elas nunca
entram em choque com imersão, e muitas vezes baptizo as requer. Por outro lado,
não se pode de modo algum usar a maioria dessas mesmas preposições com a
prática de aspergir ou efundir-se. Assim, a preposição grega en, que
corresponde à nossa palavra em português “em”, é usada em muitos lugares nas
Escrituras com essa ordenança. Na versão do Rei Tiago em inglês, os tradutores
protestantes fizeram seu próprio limite no argumento traduzindo a palavra “com”
onde é usada em conjunto do batismo. Em literalmente centenas, se não milhares
de outros usos, é muitíssimo comum traduzida como “em”. Tente traduzir
literalmente essa palavra e colocá-la na companhia de “aspergir” ou
“efundir-se”, e veremos imediatamente a incoerência de tentar fazer com que o
batismo seja num desses dois modos. Essa preposição é usada com batismo em
Mateus 3:6, 11; Marcos 1:4, 5; Lucas 3:16; João 1:26, e outros. Mas preste
atenção e veja como essa preposição soaria se fosse usada com “aspergir” ou
“efundir-se”. “E foram aspergidos por ele no Jordão!” “E foram efundidos por
ele no Jordão”. Lembre-se! A expressão é tal que não foi o Jordão que foi
aspergido ou efundido, mas foram as pessoas. Não se pode aspergir ou efundir-se
pessoas. Mas usada em conjunto de imersão — “foram imergidos no Jordão” — faz
sentido perfeito e fica em harmonia com o sentido da palavra grega baptizo.
A preposição eis (em) é também usada em
conjunto do batismo em vários lugares, que é também incoerente e irracional se
usada com qualquer palavra, exceto imergir ou seu equivalente. O mesmo se
aplica ao uso de “descerem ambos à”, e “saíram da água” em Atos 8:38-39. O uso
dessas preposições só faz sentido se a prática dessa ordenança era a imersão.
É ainda desse jeito que o número de uma
palavra pode ser um ponto importante para o qual a interpretação apropriada se
dirige, pois assim argumenta Paulo em Gálatas 3:16. “Ora, as promessas foram
feitas a Abraão e à sua descendência. Não diz: E às descendências [plural],
como falando de muitas, mas como de uma só: E à tua descendência[singular], que
é Cristo”. Sem dúvida, essa maneira de argumentar se aplica a 2 Samuel 22:51 e
o Salmo 18:50, onde se faz referência a Davi, “com a sua semente [descendência]
para sempre”, pois é claro que o que se quer dizer é um descendente específico
de Davi. Alguns comentaristas têm achado que esse singular considerava toda a
semente plural como algum tipo e unidade, mas Gálatas 3:16 é tão claro que
ninguém pode negar que a referência é a Jesus Cristo, de modo que parece mais
seguro vê-Lo sempre que o singular estiver em tais referências.
Há outros lugares em que um único substantivo
é usado, mas que os tradutores por engano traduziram como plural, ou vice
versa. Assim, nesse extraordinário Salmo messiânico, Salmo 110:6, lemos:
“Julgará entre os gentios; tudo encherá de corpos mortos; ferirá os cabeças
[literalmente, cabeça — singular] de muitos países”. Isso inquestionavelmente
se refere à queda final do príncipe deste mundo conforme foi profetizado há
muito tempo. “E porei inimizade entre ti e a mulher e entre a tua semente e a
sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”. (Gênesis
3:15)
Poderia-se dizer muito mais acerca da
observação cuidadosa da estrutura gramatical na interpretação das Escrituras,
mas confiamos em que isso será suficiente para mostrar a importância da
construção gramatical, e assim passamos a considerar ainda outra Lei.
Autorizado pelo autor
Autor: Pr Davis W Huckabee
Fonte: www.obreiroaprovado.com
Adaptado: Pr. Adélio Ferreira
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